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como vimos recentemente no Oriente Médio e na Europa
(respectivamente). O que as pessoas querem é mais
democracia, uma qualidade diferente, para terem mais para
todo mundo. Algumas mudanças foram provocadas pelas
manifestações – coisas paradas há anos começaram a ser
votadas – mas ainda há muito o que se fazer. As leis de
iniciativa popular precisam ter mais força, pois o artigo 14
ainda é muito restritivo – cada lei de iniciativa popular precisa
de um número de assinaturas três vezes superior ao necessário
para se criar um partido político. Também faltam rituais
para essas leis, que podem morrer na praia se não tiverem a
alavancagem de algum deputado ou senador. É muito difícil
conseguir emplacar alguma, e isso deveria ser facilitado.
A VIOLÊNCIA E A TRUCULÊNCIA DAS
POLÍCIAS E DE ALGUNS GOVERNOS ESTÃO
EM CHEQUE. O QUE PODE ACONTECER A
PARTIR DE AGORA?
SONIA FLEURY:
A nossa polícia não foi democratizada:
há resquícios ditatoriais e princípios de guerra na ação, o que
acontece há anos. Eles são treinados para reprimir as classes
mais pobres, estão sempre em posição de combate. A polícia
executa pobres de forma brutal constantemente e as classes
médias fingem que não vêem. Agora, quando a classe média foi
o alvo dessa polícia, durante as manifestações, pode vivenciar
o cotidiano de violência institucional que a população da
periferia conhece de perto. A justificativa foi que a atitude
seria uma reação aos grupos anarquistas – e é provável que
as manifestações não tivessem um impacto tão grande na
população sem a presença de grupos como o Black Block.
Mas esses grupos colocam em risco a reivindicação por
democracia, porque a democracia não restringe quem partilha da
mesma ética democrática. Mas há uma questão de violência na
sociedade além dessas manifestações. Precisamos acordar: nós
não somos tão legais e bonzinhos como é aceito pelos outros (de
fora do país). Nossa elite é irresponsável, não está comprometida
com a nação, apenas com o próprio sucesso. Aquela visão
tacanha de “eu estou bem, então está tudo bem”. Por isso,
sonega os impostos e não se preocupa com os serviços públicos.
Nossa elite é muito pouco culta e comprometida com o país.
ACREDITA QUE ESSAS MOBILIZAÇÕES
TERÃO O PODER DE “MUDAR O BRASIL”?
E QUAL É O PAPEL DOS EMPRESÁRIOS E
COMERCIANTES NESSE CONTEXTO DE
MUDANÇAS E TRANSFORMAÇÕES SOCIAIS?
SONIA FLEURY:
As transformações são moleculares,
não são mais grandes rupturas revolucionárias. Para que o país
mude é necessário que todos cumpram com as suas obrigações,
pois a sonegação e a corrupção ainda acontecem muito. O
empresários precisam denunciar os corruptos e acabar com
o lado corruptor, precisam atuar com uma ética empresarial
distinta. Também é necessário que haja um compromisso maior
dos empresários com a responsabilidade sócio-ambiental, com
ênfase nos serviços públicos de qualidade. Entretanto, não
basta executar uma visão assistencialista, pois não é isso o que
a população mais carente quer ou precisa: os que eles buscam
são escolas públicas e um serviço de saúde de qualidade. As
ações assistenciais desenvolvidas com a população da periferia
demonstram uma boa intenção, mas são pouco efetivas.
Cinzeiro Político: Além de não jogar
a bituca no chão, você mostra sua
indignação pela corrupção.
IDEALIZAÇÃO: GRUPO GAaT PRODUÇÃO: WAVE PROJECT
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