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SONIA FLEURY
ENTREVISTA
TEXTO_DANIELA SANTOS
QUAIS FATORES LEVARAMA POPULAÇÃO
– PRINCIPALMENTE OS JOVENS – A
FINALMENTE SE MANIFESTAREM?
SONIA FLEURY :
O processo decisório fechado, do
qual a população não participa. Eles não têm seus interesses
considerados e isso gera uma insatisfação tremenda. Os jovens
têm maior sensibilidade, são eles que detonam as experiências.
Em situações anteriores, como em 1968 e no “Fora Collor”,
eram estritamente os jovens de classe média que iam às ruas. Na
situação atual, vimos a interação entre os jovens de classe média
e os da periferia, uma situação inédita no país. Quando vemos
manifestações em outros países, como na Argentina e no Chile,
temos a direita rica se manifestando contra o governo e outros
movimentos interclassistas, o que só agora aconteceu no Brasil.
Os jovens mobilizaram não só as outras classes como as
outras gerações, porque eles sentem o incômodo com a
situação e são mais radicais na forma de agir. O que mais
me surpreende é rápida conscientização dos jovens, que
passaram de uma reivindicação sobre os R$ 0,20 para uma
enorme pauta de discussão. Eles estão se apropriando de
um conhecimento que não estava disponível e se tornando,
fascinantemente, em cidadãos politizados.
POR QUE AS INSTITUIÇÕES BRASILEIRAS
ESTÃO TÃO DESACREDITADAS PELA
POPULAÇÃO?
SONIA FLEURY :
Porque as expectativas não estão sendo
cumpridas. Os últimos governos incentivaram o consumo por
meio da transferência de renda, mas não é através do mercado
que a população irá obter o que precisa. O mercado quer
competir. Para termos coesão, é necessário assegurar o direito
à cidadania. O que iguala todos os cidadãos é a política, pois
ela se transforma em direito. E a nossa Constituição de 1988
estava esquecida. É importante que as pessoas consumam,
claro, mas é imprescindível que Educação e Saúde sejam
sistemas fora do consumo individual, que sejam assegurados
a todos e com qualidade.
A SENHORA DISSE, EM UMA ENTREVISTA,
QUE A “DEMOCRACIA DEVERIA RESPEITAR
AS PRIORIDADES DO CIDADÃO E NÃO
EXCLUSIVAMENTE AS DE EMPRESÁRIOS E
POLÍTICOS”. POR QUE ISSO NÃO ACONTECE
NO BRASIL?
SONIA FLEURY :
Se há conflitos entre os interesses
do empresários, governantes e da população, é preciso que
haja transparência. No Rio de Janeiro, por exemplos, os mega
eventos – como a visita do Papa e os eventos esportivos –
são a resposta dos governantes para as situações de
desapropriação e construções equivocadas, que consideram
muito mais os turistas do que a população da cidade. Os
moradores da Rocinha e do Vidigal, por exemplo, foram
à porta do Governador porque consideram que obras de
saneamento são mais necessárias do que um teleférico. É claro
que o teleférico é um meio de transporte, mas ele atende mais
aos turistas que vão visitar as favelas do que à população, que
luta por maior qualidade de vida. Esses eventos podem até ser
bons para gerar empregos, mas não contribuem para a melhora
na qualidade de vida da população.
O QUE SERÁ DOS PARTIDOS POLÍTICOS, EM
ESPECIAL?
SONIA FLEURY:
Eles devem mudar, se tiverem bom
senso! Existe um deslocamento entre a força que os partidos
políticos têm dentro do Congresso – podendo vetar a agenda
da presidente, inclusive – e a debilidade na sociedade. A quem
eles estão representando? A eles mesmos? O distanciamento
entre os políticos e os eleitores é gritante. Os próprios partidos
políticos não fazem o trabalho de base, e trabalham com o
discurso do espetáculo, de que esse é um país maravilhoso,
mas as pessoas não vivem isso.
Os canais de participação popular na vida política desse país
precisam ser revisitados para canalizar as demandas.
As manifestações ocorridas em junho não foram para tirar
um ditador do poder ou devidas a uma crise econômica,
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