Terremoto muda planos do presidente eleito do Chile

A uma semana de assumir o governo de um país organizado, com as contas públicas em ordem e a perspectiva de retomada de crescimento após a crise mundial, o presidente eleito do Chile, Sebastián Piñera, viu a natureza dos desafios à sua frente mudar após o terremoto de 8,8 graus na escala Richter que matou mais de 800 pessoas e destruiu imóveis e parte da infraestrutura no centro-sul do país, no último sábado (27/02). Especialistas consideram que Piñera, um bilionário que levou a direita de volta ao poder após 20 anos, terá de adaptar seu programa de governo pelo menos durante um ano para responder à tragédia.

Para o cientista político Cláudio Gonçalves Couto, da Fundação Getúlio Vargas, a principal mudança será na atuação direta do governo, um passo inesperado para Piñera, um empresário identificado com o livre mercado. “Um efeito tragicamente curioso é que um governo que, a rigor, tenderia a uma atuação menos presente na economia, que seria mais liberalizante, terá que ser muito mais interventor do que planejava inicialmente”.

O próprio presidente eleito já disse que será necessário mudar alguns de seus planos para responder às emergências e preparar a reconstrução, mas fez questão de dizer que será necessário o esforço de todos os cidadãos e também do setor privado. “Isto não compete apenas ao Estado, mas a toda a sociedade chilena, pois centenas de milhares de chilenos estão sendo brutalmente golpeados por este terremoto. Eles não só necessitam da ajuda do governo, mas da solidariedade de toda a sociedade chilena”, disse Piñera no domingo (28/02), após reunião com a presidente em fim de mandato, Michelle Bachelet. Nessa mesma reunião, os líderes se esforçaram para mostrar a colaboração entre os dois principais grupos políticos do Chile, depois de críticas iniciais do presidente eleito à resposta do atual governo ao terremoto. O apoio de Piñera à presidente é visto como uma preparação para a ajuda que o futuro governo espera do grupo político de Bachelet, a coalização de centro-esquerda Concertación.

“As condições mudaram da noite para o dia, de forma muito traumática, e toda essa catástrofe não atinge apenas um partido ou outro. Isso gera uma enorme capacidade de solidariedade, de união nacional. Enquanto o país estiver concentrado nas consequências do terremoto, haverá uma fase de diminuição de conflitos”, diz o cientista político José Álvaro Moisés, da USP (Universidade de São Paulo).

Além do atendimento emergencial às vítimas, que mobiliza os esforços nos últimos dias, as autoridades trabalham no levantamento dos efeitos do terremoto sobre a infraestrutura do país, contabilizando casas, pontes e viadutos destruídos.O plano de governo de Piñera previa 600 mil ?soluções habitacionais?, incluindo construções, ampliações e reformas, e agora o governo estima em 1,5 milhão o número de moradias danificadas pelo tremor.

Couto, da FGV, diz que a necessidade de investimentos em reconstrução não pode ser vista como uma consequência positiva nem mesmo do ponto de vista econômico. “Algum efeito terá a expansão do uso de recursos, mas evidentemente é uma perda, porque o crescimento será feito sem a base que seria dada pelas condições de infraestrutura que se perderam. Esse dinheiro poderia estar sendo utilizado para acrescentar novas estruturas”.

Notabilizado nas duas últimas décadas por um consenso entre as principais forças políticas, de governo e oposição, em torno da estabilidade econômica, com controle da inflação e estímulo ao comércio exterior, o Chile precisará de uma união política ainda mais forte no início do novo governo. Segundo especialistas, isso pode afetar a capacidade de Piñera de imprimir uma marca pessoal à sua administração.