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No comando da Livraria Cultura, Sergio Herz revê processos e metodologias para conquistar o “tempo” e a preferência do consumidor
No comando da Livraria Cultura – empresa criada pela sua avó – desde 2011, Sergio Herz entrou para o seleto grupo de "Melhores CEOs do Brasil" da Revista Forbes. Um dos únicos nomes ligados ao varejo a aparecer no ranking, Sergio diz que o 'título' aumenta a sua responsabilidade – como gestor e como pessoa.
Pragmático e reservado, o executivo trabalha cerca de 15 horas por dia e emprega na “Cultura” diversas tecnologias e soluções que substituem o “achismo” por ações baseadas em estatística. Nesse momento, Herz considera a expansão no número de lojas apenas se houver "uma grande oportunidade", questiona a quantidade de shoppings existentes em grandes centros e afirma: "o varejo físico, hoje, concorre pelo tempo livre do consumidor".
Em uma entrevista, o senhor comentou sobre a "solidão" do cargo de presidente e sobre o preconceito que sofreu ao entrar na Livraria Cultura. Como esses sentimentos se relacionam?
SERGIO HERZ: O cargo de presidente, o “poder”, tem um aspecto coisa solitário, porque te leva à posição de influenciar e tomar decisão sobre os outros. A relação de proximidade com as pessoas muda. Elas estão, continuamente, sendo avaliadas pelo presidente da empresa então mudam a maneira como falam. Essas são características inerentes ao cargo, não são um problema.
Quando eu comecei a trabalhar não foi em um cargo de chefia e todo mundo sabia que eu era filho do dono, pois eram 36 colaboradores – hoje são 1800. O filho do dono não é uma pessoa que entrou na empresa porque passou por uma entrevista, pelo processo seletivo, apenas porque é filho do dono. Me chamaram de filhinho de papai e tudo mais. Isso foi bom porque me motivou a provar que eu era realmente bom e, não apenas, um filhinho de papai.
Como recebeu o título da Forbes?
SERGIO HERZ: Minha competição é comigo mesmo. Nunca busquei qualquer reconhecimento e nem sei como é que eu entrei nessa lista da Forbes [a revista entrevista uma quantidade de empresários e presidentes que dizem, espontaneamente, aqueles que consideram os melhores no cargo em todo o Brasil, em diversos segmentos], não é uma lista na qual você se inscreve.
É gostoso? É. É legal? É. Mas não é o que eu busco, sinceramente. É uma exposição à qual eu não estou acostumado. Eu não sou um cara de me expor, não sou muito aberto. O reconhecimento é muito legal mas também gera mais peso sobre você.
Te dá motivação para continuar fazendo mas, também, gera mais responsabilidade devido à exposição.
Responsabilidade em relação aos colaboradores ou ao mercado?
SERGIO HERZ: Em relação a todo mundo. É um prêmio que me deram pelo fiz, pelo que já ficou no passado. E como vou continuar? E o futuro? O reconhecimento do tamanho desse, como é que fica o futuro? O que eu quero depois disso?
Como foi sua trajetória?
SERGIO HERZ: Sempre procurei trabalhar muito, amo o que eu faço. Não é uma trajetória comum, não posso dizer que sempre procurei isso. De certa forma, eu sempre fui sócio dessa empresa. Sempre me dediquei muito, errei muito – até já declarei que acho que eu erro em 90% das coisas que eu faço. Se o trabalho não for complexo, não te exigir muita coisa, é porque tem alguma coisa errada no dia a dia. Ás vezes vejo as pessoas comentando que as coisas são complicadas e penso “tenho que manda-la trabalhar na concorrência”. Porque é complicado mesmo, tem que ser! E se qualquer um puder fazer, não é um bom trabalho.
A palavra workaholic está em desuso. Eu trabalho bastante, mas para mim não é uma coisa que incomoda. Sábado e domingo eu tento me dedicar mais à família mas, às vezes, preciso passar no trabalho e levo a família junto.
Uma vantagem de trabalhar em uma livraria é que as minhas filhas adoram visitar nossas lojas. Então, enquanto elas estão lá brincando eu estou trabalhando também. Eu consigo ter uma vida equilibrada, tenho os meus hobbies, eles me equilibram muito. Eu tiro férias todos os anos – uma semana no início e outra no meio do ano, viajo um feriado ou outro, vou esquiar. De qualquer lugar do mundo eu consigo participar de tudo, acompanhar tudo, consigo ver todas as coisas.
É tão simples, hoje, a presença virtual. O fato de estar presente, hoje, não é mais essencial. E eu não me recuso a fazer um conference call quando estou de férias, por exemplo. Eu trabalho nas férias: vou me divertir mas, no final do dia, dou uma olhadinha se tem alguma coisa, se alguém precisa falar comigo.
Você é um gestor que delega tarefas para os seus colaboradores?
SERGIO HERZ: Sim e não. Para mim, liberdade é uma coisa que se adquire. Se você tem um colaborador, um diretor, um gerente – qualquer pessoa que seja – que está fazendo um ótimo trabalho e mostra isso, ele tem toda a liberdade do mundo. Se tem um funcionário que está deixando de performar, que está fazendo alguma coisa que não está de acordo, então preciso acompanhar de perto. E, quando você acompanha de perto, de certa forma está controlando mais no dia dele.
Liberdade é uma conquista, ela não vem de graça para nenhuma pessoa na terra. Se você quer ter autonomia em qualquer cargo, quer ter que não prestar contas, conquiste isso.
A Livraria Cultura vende produtos, cultura ou experiência?
SERGIO HERZ: Nós vendemos serviços. Não vendemos cultura nem experiência e, sim, informação. A experiência, é claro, faz parte do serviço. Vendemos produto também porém esse produto não tem diferencial em relação ao produto do meu concorrente. Então o que faz o cliente comprar na Livraria Cultura e não no concorrente? Os serviços, pois eles vem com o valor agregado da comodidade, da conveniência, do atendimento, da experiência, da confiança na sua marca.
Não é mais o produto. As pessoas se identificam com a empresa.
Como a inteligência artificial está sendo utilizada na empresa?
SERGIO HERZ: Eu preciso hoje muito mais de gente que saiba lidar muito bem com números, que saiba fazer algoritmos e projetar análises do que de gente que faça ações criativas. Porque as peças criativas são resultado de pesquisas que utilizaram o critério de adequação a determinado público. Existe uma análise científica que justifica as ações, só depois de determinada essa ação é que o criativo recebe o briefing para desenvolvê-la.
O marketing, por exemplo, deixou de ser baseado em uma hipótese. Quando alguém sugere uma ideia, perguntamos: ela pode ser comprovada com números? Se sim, colocam em prática. Não acredito mais nesse marketing sem profundidade, sem dados, sem metodologia.
E o processo de permitir aos fornecedores reporem os estoques?
SERGIO HERZ: Esse é o meu sonho. A Livraria Cultura funciona como uma unidade de negócios. Assim, esse estoque vai tanto para as vendas digitais quanto para as físicas. Estamos começando o processo com alguns fornecedores. Mas, para que isso aconteça de maneira ampla é necessário fornecer informações internas da Livraria Cultura para os nossos fornecedores. Nesse momento, eles estão aprendendo sobre os nossos consumidores e nos ajudando a formatar esse processo.
Em algum tempo, não precisaremos mais olhar para isso, não teremos a necessidade de manter um departamento de compras pois os próprios fornecedores farão a gestão do estoque – e de maneira mais eficiente do que conseguimos fazer internamente.
Por isso, passamos as informações dos nossos clientes – perfil social e de consumo, previsão de demanda, precificação, promoção, o que esses consumidores estão falando nas redes sociais, avaliações de produtos da internet – e todo o tipo de informação que possa contribuir para a reposição eficiente do estoque.
Relacionamento com o cliente é fundamental ou poderá ser substituído pela tecnologia?
SERGIO HERZ: O contato pessoal é sempre importante e nunca deixará de ser, porém a maneira como as pessoas interagem vai mudar. Se um vendedor, por exemplo, estiver mal humorado, não for simpático, essa postura irá influenciar na maneira como o consumidor percebe a marca.
A questão do interpessoal continuará existindo.
Quais são os seus projetos para os próximos anos?
SERGIO HERZ: Nosso principal objetivo, agora, é passar essa crise e sair fortalecido. Mas a crise não vai passar em “meses” não.
É difícil falar o que estaremos fazendo daqui três anos, porque o varejo tem passado por muitas mudanças. Estamos desenhando uma estratégia para os próximos três ou cinco anos muito aderente ao que acreditamos sobre mudança do consumidor.
O papel da loja física vai se transformar muito, muito mais do que estão falando. Eu não acredito que a quantidade de lojas físicas existentes nos grandes centros está adequado – é um número muito maior do que o necessário, isso falando do Brasil todo, de grandes cidades onde a Livraria Cultura está localizada. Não faz sentido nenhum para mim.
Num exemplo local, em São Paulo: do Shopping Morumbi ao Shopping Vila Lobos são 10 km onde estão instalados oito shoppings, todos eles voltados para o mesmo público (Classe A/B e C+). E essa é a classe que mais compra online, a que mais viaja. Ou seja: ela está pegando parte da renda e gastando em outro lugar, que não nos shoppings ou no varejo físico.
Não existe espaço, mais, para tantas lojas porque parte do consumo vem do online. E, não tenho dúvidas, a tendência é que o consumo online cresça ainda mais. Por isso a nossa estratégia é o fortalecimento do canal online; ter critério rigoroso quanto à abertura de novas lojas e melhorar o que já fazemos na loja, melhorar a experiência.
Estamos modelando nossa estratégia tendo no varejo digital o catalizador de crescimento, partindo do princípio que o varejo físico está disputando o tempo livre da pessoa. Talvez, o “tempo livre” seja o ativo mais importante da pessoa e onde ela decide passar esse tempo é uma decisão muito importe. Se ela decide ir até uma loja da Livraria Cultura a compra passa a ser uma consequência. Porque, se o objetivo fosse, apenas, comprar um produto, o cliente poderia fazê-lo online e receber em casa.
(Entrevista publicada, originalmente, na Revista Alshop 247)

