Como varejo, bancos miram na classes C e D em 2010

Diarista em São Paulo, Cleuza Souza, de 54 anos de idade, não tem conta em banco. Mesmo com o salário de R$ 800 por mês, mais do que suficiente para se “bancarizar”, Cleuza nunca foi a um banco com a pretensão de abrir conta porque acha “tudo de banco muito complicado” e também porque “nunca sobrou dinheiro”. Quando para para pensar, no entanto, Cleuza acha que uma conta corrente a ajudaria a controlar melhor o dinheiro e a poupar. “Hoje, recebo os pagamentos e guardo o dinheiro em casa para ir pagando as contas”, diz. “Se tiver alguém para me explicar direitinho e com detalhes como são as regras do banco e sempre tirar minhas dúvidas, eu vou querer uma conta sim.”

É por causa de consumidores como Cleuza que as instituições financeiras têm esfregado as mãos, nos últimos tempos. Os bancos sempre miraram as classes C e D com olhos de cobiça mas, com o aumento de seu poder de compra dos últimos anos, a enorme massa de brasileiros desbancarizados ficou muito mais apetitosa. Como aconteceu com o varejo, que garantiu seu crescimento em meio à crise graças a esses consumidores, os bancos têm traçado estratégias, criado produtos e feito parcerias para conquistá-los.

A tarefa, no entanto, não é simples. Além do receio em emprestar para um grupo de pessoas sem histórico de inadimplência, as instituições financeiras ainda não aprenderam a lidar com esse público. E, bem ou mal, dizem os especialistas, ainda conseguem lucros recordes, ano após ano, com os correntistas de classe média.

“Os bancos avançaram bastante nesse campo, mas falta muito espaço a preencher”, diz Rubens Sardenberg, economista-chefe da Federação Brasileira de Bancos (Febraban). Ele conta que o País encerrou o ano passado com 158 instituições financeiras, uma a menos do que em 2008. O número de agências bancárias cresceu 5%, para cerca de 20 mil. Num primeiro momento, o número de contas correntes parece atender à quase totalidade da população economicamente ativa (PEA), de 99,5 milhões de pessoas, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Existiam, ao fim do ano passado, nada menos que 81 milhões de contas.

Porém é bastante fácil, nas classes mais altas, encontrar pessoas com mais de uma conta bancária. “Há quem possua três, quatro contas em bancos diferentes”, diz Álvaro Taiar, responsável pela indústria de mercado financeiro da PriceWaterhouseCoopers (PwC). Taiar estima que os correntistas ativos no Brasil estejam entre 30 milhões e 40 milhões de pessoas, o que abre um grande espaço para a conquista de novos clientes.

Para Sardenberg, da Febraban, as instituições financeiras têm cautela extra ao montar produtos e estratégias para as novas classes consumidoras. Os altos custos de se montar agências tradicionais e a ausência de histórico de risco dessa faixa da população, que nunca teve crédito permanente, estão entre os motivos. “Há certo receio dos bancos em entrar numa classe nova”, diz. “Eles precisam mudar todo o escopo de atuação e trabalhar com uma receita menor por cliente pode trazer mais inadimplência.”

Ex-diretor de finanças e de relações com investidores da Nossa Caixa, Sardenberg lembra que o banco enfrentou aumento nos calotes em 2003, quando iniciou sua estratégia de fidelização de classes populares. “Adotamos uma política mais agressiva de concessão de crédito e oferecemos taxas mais baixas, mas tínhamos pouca documentação”, afirma. “A inadimplência foi maior até nos acostumarmos.”