A ALSHOP, atenta ao tema dos eventos chamados de “rolezinhos”, ingressou com ação judicial perante a Justiça do Estado de São Paulo e recentemente obteve decisão, de caráter liminar, favorável aos seus pedidos, dirimindo a questão de tais eventos.
A referida decisão concilia o direito de todos os cidadãos de frequentarem os estabelecimentos de shopping centers e, ao mesmo tempo, protege os interesses dos lojistas e empreendedores buscando, com isso, apaziguar os interesses de todos os envolvidos.
Tal feito reflete a permanente busca da ALSHOP em defender o setor adotando medidas céleres e eficazes, sem, contudo, diminuir os direitos dos cidadãos frequentadores de shopping centers.
Em caso de dúvidas, favor entrar em contato pelo e-mail: marcello.furman@localhost
Segue abaixo íntegra da decisão.
|
Processo: 2011268-32.2014.8.26.0000 Classe: Agravo de Instrumento Área: Cível Assunto: DIREITO CIVIL-Coisas-Posse-Esbulho / Turbação / Ameaça Origem: Comarca de São Paulo / Foro Central Cível / 45ª Vara Cível Números de origem: 1006054-68.2014.8.26.0100 Distribuição: 11ª Câmara de Direito Privado Relator: RÔMOLO RUSSO Volume / Apenso: 1 / 0 Valor da ação: 50.000,00 Vistos. Em razão da r. decisão interlocutória que negara o pedido deliminar, sobreviera o presente agravo de instrumento tirado de ação deinterdito proibitório promovido pela ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE LOJISTAS -ALSHOP contra MC DOUG KAMIKAZE, JAMENSOB OLIVEIRA, RAFAEL OLIVEIRA PAIXÃO edemais participantes de eventos denominados de "rolezinho", a seremrealizados no Shopping Center Aricanduva, Shopping Mauá Plaza, ShoppingPenha e Shopping Taboão, todos situados nesta Capital. A tese da agravante éde que os agravados, por meio de redes sociais, organizam o referido"rolezinho", o qual se dará nos aludidos centros de compras no próximo dia1º de Fevereiro de 2.014 e sequencialmente nos dias 02, 05, 08 e 15 do mesmomês. Sustentam que tal evento tem o condão de turbar o exercício normal daposse exercida sobre a área de tais centros de compras. Destacam que nasredes sociais está previsto um afluxo de cerca de 2.500 jovens e osshoppings não são apropriados, quer em sua construção, quer em sua estruturaorganizacional para tal intenção e, por isso, não tem capacidade materialpara receber tal onda de pessoas. Pede o êxito recursal para que sejaconcedida a liminar visando que aqueles abstenham-se de efetivar o"rolezinho". É o relatório. A hipótese é bem peculiar. Não foiespecificamente tratada na doutrina, tampouco nos Tribunais. Passa-se aojuízo de delibação, conquanto na complexidade do caso em tela, não épossível decidir sem raspar ligeiramente na questão de fundo. "Dar um role"no shopping não é novidade. Jovens, adolescentes e pré-adolescentes, desdeos anos 90, encontram-se passeando em shoppings. Vão a esses centros decompras (varejo/atacado) para conversar, paquerar, ouvir música, etc. Oagora denominado "rolezinho", portanto, não é fato social novo. A novidadeque se verifica está localizada em sua dimensão (material e social), o quelhe repassa outra face. Registre-se que, desde a promulgação da Carta daRepública de 05/10/1988, a sociedade civil vive um momento de real efervescência social e jurídica, particularmente em relação ao exercício de direitos constitucionais que durante a ditadura militar eram desconhecidos dos cidadãos, os quais passaram a fazer valer seus direitos e assim em números impressionantes – vieram ao Poder Judiciário. Contudo, a vigência danossa carta republicana não alterara e não poderia modificar imediatamente oquadro social. Isto tudo é dito porque vivemos uma sociedade complexa, naqual se encorpa o declínio dos valores morais, a degradação da educação e opouco respeito ao direito alheio. Falta-nos, pois, madureza democrática. Apar disto, marque-se que o exercício de um direito, fundamental ou não,implica, ordinária e necessariamente, no dever de apreço ao direito dosoutros seres humanos. É necessária, portanto, a coexistência das liberdadesde um para que sobreviva a liberdade do outro. Assim sendo, é do sensodemocrático o dever de não proibir, direta ou indiretamente, o exercício dosdireitos e liberdades de um em prol dos outros, particularmente porque nãoexistem direitos absolutos, salvo, ao que penso, o direito constitucionalgarantido pelo sufrágio universal e pelo voto direto e secreto com pesoidêntico. Nessa linha de raciocínio, vive-se um Estado Democrático deDireito, típico das sociedades e democracias modernas, nas quais os direitose garantias públicas se autolimitam e assim permitem a harmonia de todos navida com dignidade humana (art. 1º, § 3º, da Constituição Federal). Passa-seao exame do denominado "rolezinho". O referido "rolezinho" não encontraimpedimento na legislação em vigência. Tentar reunir de 700 a 2.500 pessoasem shopping para "zoar, dar uns beijos, rolar umas paqueras, pegar geral e se divertir" não é ilegal (sic fls. 9). Nesse sentido, dispõe o art. 5º,inciso XVI, da CF, que: "todos podem reunir-se pacificamente, sem armas, em locais abertos ao público, independentemente de autorização, desde que nãofrustem outra reunião anteriormente convocada para o mesmo local, sendoapenas exigido prévio aviso à autoridade competente". Entretanto, é cristalino reconhecer-se que qualquer reunião pacífica e sem nenhuma arma,de qualquer tipo, somente pode realizar-se se antes os interessados noajuntamento comuniquem tal intento à autoridade competente. Por conseguinte,sem anterior aviso, não se aperfeiçoa o direito dos cidadãos de reunirem-se.A ordem constitucional de prévio aviso não importa em presunção de préviacensura, ainda mais porque nela já detalha de que o Estado não precisaautorizar a respectiva reunião. Nesse tom é remansosa a jurisprudência do C.STF e desta Corte. Seja como for, o direito constitucional de reuniãopacífica encarna direito natural e, pois, é inerente à própria condição dapessoa humana. O homem sempre se reunirá com outros e assim o será. Odireito de reunião é direito de exercício coletivo e há de conter objetivopróprio. Coliga-se à liberdade de manifestar o pensamento e, por isso, há de conter fim legítimo. Deve ter a vocação direcionada à difusão de ideias e opiniões, detalhe que não se dilata no caso dos autos. O propósito afirmado pelos organizadores (conforme prova documental), ao menos nesse exame preambular, não traduz tal intercâmbio. Com essas medidas, se se entender que o "rolezinho" qualifica-se como direito constitucional de reunião pacífica, o encontro marcado fere a Constituição Federal, por não ter sido alvo de prévia notícia à autoridade pública, o que, por consequência, confere solidez jurídica à tese dos agravantes. Mas é necessário ir a outro ponto. Pode pensar-se que o "rolezinho" é uma daquelas manifestações nas quais os jovens querem ser vistos em determinado ambiente, o que é legítimo e não atenta contra norma jurídica nenhuma. No entanto, quando, como aqui, se faz um chamado, por redes sociais, de uma gama indeterminada de pessoas para chegarem juntas, no mesmo horário e no mesmo local (diversos shoppings centers), o que se tem é que tal acaba por afastar a convivência, nesse mesmo local, com aqueles que lá já estejam, (consumidores, pessoas passeando, empregados dos shoppings e lojistas), o que compromete a razoabilidade de tal exercício desmedido. Daí submerge, com naturalidade, a colisão de direitos constitucionais e garantias individuais, qual seja o direito de ir e vir dos "rolezeiros" e o direito de ir e vir dos não "rolezeiros". Se é legítimo que o "rolezinho" realize-se com 700 pessoas, por exemplo, como já ocorrera (Shopping Itaquera 11/01/2014), ilegítimo será que os demais partícipes da vida social tenham que recuar e tenham restringida a sua respectiva liberdade de estar, ir e vir na mesma hora e no mesmo espaço de acesso público. Nessa exata medida, nos limites do juízo provisório, o exercício exagerado e desproporcional dessa vontade de ir em grande número, em idêntico horário (15h), aos sábados e domingos aos shoppings indicados acaba por aniquilar o direito de ir e vir dos outros, o que importa em exercício abusivo do direito ao "rolê" (art. 186 do CC). Contudo, igualmente, é ilegal proibir que os jovens possam ir e vir dos shoppings. Assim sendo, é necessário que se faça a calibração deste conflito de direitos (f. Prof.Tércio Sampaio Ferraz Júnior), sob pena de, ao revés, admitir-se que a norma constitucional é fraca, já que tem força para uns e não para todos. A estabilização e harmonia do exercício da cidadania, à luz da Constituição Federal e das leis em geral, depende, portanto, que cada um exerça seu direito sem perturbar o direito do outro, em justa medida para o bem estar social de todos, harmonizando-se, assim, a função útil dos direitos em confronto. Em outras palavras: é lícito o "rolezinho" desde que efetivamente não venha a perturbar, abafar, causar temor, ou restringir idêntico direito substantivo de quem quer estar pacificamente naquele mesmo espaço. Na dúvida, há de prevalecer o direito à liberdade de todos, ainda mais porque o constitucionalismo brasileiro emana de constituição eclética e pluralismo axiológico. É consectário da própria noção de liberdade, portanto, que as ações humanas sejam limitadas, a fim de viabilizar-se a coexistência pacífica dos indivíduos. Como nem sempre tal ocorre, o processo é a via adequada para que se realize acomodação hermenêutica dos diversos direitos protegidos pela Carta da República, lançando-se mão da interpretação sistemática, axiológica e da teoria da argumentação, o que justifica a incidência do princípio da razoabilidade em prol da ponderação cautelar do exercício do direito ao "rolezinho". Posto isto, com amparo axiológico nos valores humanos contidos na CF, é fundamental salvaguardar a vida, a integridade física, a paz pública e o patrimônio material, moral e intelectual de todos, sobretudo, porque o que a sociedade constata até agora é que tais movimentos crescem como uma onda e acabam tendo a adesão de vândalos. Assim sendo, a prudência recomenda e a razão ilumina que não se homologue a criação de riscos prováveis e evitáveis vedados pelo ordenamento jurídico penal. Por outro lado, é de rigor fixar que os shoppings centers são constituídos por ambientes peculiares de acesso ao público, no qual pobres e ricos podem aproveitar seu tempo útil de lazer, compras e serviços. Nestes centros comerciais, os quais não foram idealizados e construídos para a recepção de grandes massas humanas em um único momento, não há a possibilidade real e concreta de dar segurança à junção dos "rolezeiros" com os demais consumidores que lá já estejam. Os shoppings, em seu espaço interno (corredores e lojas) não têm condições materiais de receber nenhuma multidão, nem mesmo movimentos multitudinários, sobretudo quando as redes sociais já têm por confirmadas quase 800 pessoas. Por isso não é viável a admissibilidade do "rolezinho" nos shoppings, ainda mais porque a experiência mostra que são poucas as saídas de emergência e que normalmente não há rotas de fuga, o que torna superlativa a cautela deste caso.Aliás na capital de São Paulo, o "rolezinho" pode dar-se em praças e parques públicos, no sambódromo, eventualmente em estacionamentos de shoppings, talvez no Anhembi, circunstâncias estas que os organizadores devem diligenciar junto à Municipalidade de São Paulo. Por último, é suficiente reconhecer que tem base jurídica o pleito das agravantes no sentido da incidência do art. 1.210 do Código Civil. Com efeito, não é possível deixar de admitir que o fluxo de uma gama elevada de pessoas (a previsão já supera mil jovens participantes), é capaz de embaraçar o livre exercício da posse nos shoppings indicados, independentemente de que haja ou não dano e ainda que os eventuais turbadores, à princípio tivessem o intuito já referido. O exercício do direito ao "rolezinho", porque fixado em local materialmente impróprio, com risco à segurança de todos, importa na possibilidade real e iminente de molestar o exercício da posse dos referidos centros comerciais e promover efeitos maléficos não totalmente previsíveis. Anote-se que o caso traz à lume a perspectiva de uma lacuna sistêmica, mas, de qualquer forma, o Poder Judiciário, chamado a decidir, não deve omitir-se, malgrado a elevada delicadeza da hipótese. Além de tudo isto, o próprio "rolezinho" não se faria sem que terceiros pudessem vir a desrespeitar o eventual intuito legítimo descrito nas redes sociais, o que também recomenda que se exerça um juízo prudencial, de sorte a evitar-se a negação de cidadania.Entenda-se que o direito não é e jamais será um ordenamento segregado. Tem relação direta com a realidade e nela deve também se ancorar. Para decidir, é necessário ter os pés na terra para, ao mesmo tempo, não vedar o "rolezinho", mas vedá-lo quando este implicar em plausível risco à integridade física e moral das pessoas humanas que estejam no mesmo espaço. Na democracia ninguém é soberano, de sorte que a interpretação que se faz visa conciliar o direito escrito às exigências da vida em sociedade e a convivência com o justo meio das coisas. Crave-se que o Direito não suporta é o estéril legalismo e a injustiça, ainda mais quando a verdade, nua e crua, não chega ao processo. Dentro desse balanço, sendo certo que o Direito é instrumento de pacificação social, deve-se garantir um mínimo de segurança e viabilidade do direito de todos, partícipes, ou não, do "rolezinho". Por todos esses fundamentos e nos limites estreitos do juízo de cognição inicial, concedo em parte o efeito recursal pretendido para: a)- deferir a proteção preventiva da posse nos shoppings indicados; b)- ressalvar que o denominado 'rolezinho' não é ilegal; c)- vedar a realização 'rolezinho' em shoppings centers, local nitidamente inadequado para encontro de multidão, a bem da paz social e de que prevaleça a cautela em face de possível tragédia anunciada (uma nova boate Kiss); d)- reconhecer que não houvera prévio aviso à autoridade pública; e)- explicitar que os shoppings centers não devem proibir a entrada, o acesso e saída de pré-adolescentes, adolescentes e jovens individualmente, sem nenhuma distinção de qualquer natureza, ou mesmo venham a fazer pré-seleção, sob pena de caracterizar-se eventual juízo discriminatório por parte de seus prepostos (art. 5º caput, da CF); f)- declarar que é incabível o uso da força, salvo nos limites da legítima defesa própria, ou de terceiro, bem como, no desforço possessório (art. 1210, § 1º, do Cód. Civil); g)- determinar que os organizadores se abstenham de perturbar o livre exercício da posse dos legistas, quer nos corredores, quer no interior das lojas, no encontro marcado ("rolezinho") para o dia 1º e dia 2º de fevereiro de 2014, nos shoppings Aricanduva e Plaza, sob pena de desobediência civil e da incidência sobre estes da multa inibitória e cominatória que será oportunamente arbitrada em face do eventual descumprimento; h)- deixar aclarado que o ato de molestar identificar-se-á diante da tentativa de transformar o shopping em lugar de desordem, com audição de músicas em alto volume, bem como atos de vandalismo, sendo esse o núcleo do não fazer; i)- deixar de apreciar, por ora, porque inoportuno o pedido da agravante no que toca aos "rolezinhos" designados para os dias 05, 08 e 15 de fevereiro. Por cautela, a fim de evitar interpretações distorcidas, é fundamental que se leia todo o conjunto do decidido, notadamente porque se reconhece a legitimidade do direito dos jovens reunirem-se, mas não por meio de multidões e movimentos multitudinários no interior de shoppings centers. Encarece-se que as partesbusquem o diálogo, de maneira exaustiva, em prol da solução pacífica e consensual para o denominado "rolezinho", inclusive com a participação do Poder Público Municipal, notadamente porque os organizadores não procuraram realizar o já referido "rolezinho" em locais que o Município poderia lhes dispor. Caberá aos shoppings centers o uso dos meios legítimos e moralmente aceitos para provar a eventual desobediência civil desta ordem, não se fazendo necessário, na ponderação dos valores em jogo, o uso no interior dos centros comerciais do aparato da policia pública. Por cautela, comunique-se com urgência o Exmo. Senhor Secretário da Segurança Pública, o Exmo. Senhor Prefeito da cidade de São Paulo e o comando da Polícia Militar da Capital. Intime-se a agravante para os fins do art. 8º, alínea "e" (fls.39). São Paulo, 31 de janeiro de 2014. RÔMOLO RUSSO Relator |

